Na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, uma casa feita com milhares de garrafas de vidro tem despertado olhares e reflexões. Edna Dantas e Maria Gabrielly, mãe e filha, uniram forças e com as próprias mãos, construíram esse lar usando materiais que normalmente iriam para o lixo. A Casa de Sal é prova de um novo jeito de pensar a moradia e não se trata apenas de reciclagem. “Queremos inspirar outras pessoas a criarem suas próprias soluções”, pontuam. O projeto reúne memória, criatividade e ação social. Conheça e se surpreenda com essa casa que une gerações e cuidado com o planeta.
Conheça a especialista
Andressa Oliveira é arquiteta e urbanista especialista no cultivo de plantas em casa e com experiência em projetos arquitetônicos e de interiores.
Vivência e ecologia: uma casa sustentável em Itamaracá
A ideia para a construção da casa surgiu em 2020, na Praia do Sossego. Ao perceberem o descarte irregular de vidro e com a necessidade de uma residência própria, mãe e filha decidiram transformar lixo em moradia. Inspiradas pela avó Severina que ensinava o valor do reuso, Edna aproveitou sua experiência na gestão de resíduos sólidos, enquanto Maria, formada em designer de moda, aplicou a sua criatividade na construção. Fundadoras da marca sustentável Cabrochas, as duas já recuperaram mais de 13 mil garrafas, sendo 8 mil na casa, totalizando mais de 8 toneladas de vidro retiradas do meio ambiente.
A casa que levou cerca de dois anos para ser concluída, possui sete ambientes e fica a cerca de 100 metros do mar. As soluções empregadas no projeto seguem os princípios da arquitetura vernacular e da bioconstrução. Todas as paredes externas foram feitas com garrafas de vidro, que garantem iluminação natural para o interior dos espaços.
Mas as soluções criativas e sustentáveis não param por aí. As telhas da residência foram feitas com tubos de pasta dental reciclados e materiais naturais como palhas de coqueiro. As divisórias internas foram construídas com pallets e madeira reaproveitada.
A casa também conta com um banheiro seco, que possuí um sistema ecológico para transformar dejetos em compostagem, contribuindo para uma gestão de resíduos mais sustentável. Tudo isso cria um espaço que respira ecologia popular, criatividade e baixo impacto ambiental.
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No entanto, o projeto vai muito além da inovação construtiva. Em um país onde, segundo a ONG Habitat, uma mulher negra pode levar até sete gerações, ou cerca de 184 anos, para conquistar uma casa própria, morar bem ainda é um privilégio atravessado por desigualdades. “Isso é um dado muito alarmante. E também alarma para refletirmos aonde estão as mulheres negras na promoção de direitos fundamentais como moradia, transição ecológica e justiça climática”, afirma Maria Gabrielly. Quando mãe e filha decidem construir com as próprias mãos um lar a partir do que foi descartado, estão também construindo um ato de reparação histórica.
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Para elas, o objetivo é “que as pessoas, os poderes e as empresas entendam quanto é viável e funcional a ecologia e sustentabilidade para replanejar a questão habitacional.” Populações negras, indígenas e periféricas são as mais afetadas pela degradação ambiental, pela ausência de políticas públicas e pela negação de direitos básicos, como saneamento, moradia e segurança alimentar. Para Edna e Maria, a casa de Sal não é somente sobre reciclar garrafas. É sobre ocupar espaços, reivindicar dignidade e mostrar que conhecimento técnico também nasce nos quintais, nas vivências e na partilha entre gerações.
Atualmente a casa está disponível para locações e pronta para receber pessoas que desejam relaxar e vivenciar o turismo de maneira ecológica, consciente e comunitária. Para as duas, o desejo é que o projeto sirva de inspiração e seja replicado em outras regiões do Brasil, promovendo soluções habitações sustentáveis e reforçando a importância da moradia digna como direito básico e da ecologia popular como prática transformadora.
A Casa de Sal é mais do que uma moradia feita de vidro e criatividade. É símbolo de afeto, resistência e futuro. Uma prova que tudo pode se transformar e ganhar uma nova função. Afinal, não é porque aquilo foi descartado que não tem mais utilidade. É preciso repensar as formas de habitar, utilizar os recursos de forma inteligente e preservar o meio ambiente. Para seguir construindo um futuro mais ecológico, veja também como ter uma casa sustentável e em harmonia com a natureza.
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